Partir não é fácil e ficar menos ainda. O sofrimento da partida é compartilhado por todos, mas resulta em crescimento mútuo, em sentimentos, palavras e ações que nos fazem crescer.
Quando resolvemos partir para a nossa nova dimensão, muitos sentimentos nos abraçam. É medo com ansiedade misturado com muito receio, dúvidas e preocupações. É natural e, se você está passando ou já passou por isso fique tranquilo, daqui a pouco o turbilhão de emoções acalma e tais sentimentos serão substituídos por outros.
Foco na Partida
Estamos tão focados na partida, são tantas coisas para resolver, são tantas incertezas para administrar que nem temos tempo para pensar nos que ficarão. Não dá tempo e o tempo parece o nosso maior inimigo de sempre. Tudo é na estica, no timing certo, o visto chega faltando pouco para o embarque, o documento do consulado chega nos acréscimos.
Estamos tomados pela ansiedade, estamos sedentos pelo novo e nem conseguimos reparar nos que estão e sempre estiveram ali do nosso lado. Eles já se tornaram naturais, não são notados como antes e perdem espaço para a novidade, são obsoletos. Agora que o foco está no ir, os que vão ficar não tem vez no nosso pensamento e são deixados de lado, pelo menos por enquanto.
A Despedida
A despedida dói. O último almoço, o último jantar, o churrasquinho de despedida, a última baladinha que consegue reunir os amigos. As pessoas querem se despedir da gente, querem nos agradar, querem que levemos delas os sorrisos e a saudade.
Muitas vezes participamos dessas despedidas e, ao invés de sermos consolados, consolamos. Deixamos palavras de esperança, dizemos que é por pouco tempo, que logo estaremos de volta, que a amizade não vai mudar, que a saudade não será capaz de apagar as boas lembranças, que o mundo nem é tão grande assim e que em algumas horas de voo podemos nos ver.
Nossa euforia serve para acalmar quem não vai conosco. Parece que a nossa energia e agitação são tão grandes que nada é capaz de nos deter. Nem mesmo o mais cético dos amigos, nem o parente mais rude vão conseguir melar o nosso esquema. Não dá, eles não são capazes de ultrapassar nosso campo de força e a nossa animação causa desconforto nesses que duvidam da gente.
Quem Ama Sofre
Quando aportamos no novo mundo, os que estavam ao nosso lado no antigo começam a fazer falta. Não é imediato, mas é rápido. A vida no novo país vai se organizando, já temos um cantinho para chamar de nosso. Resolvemos fazer a receita que sabemos e ao contarmos os pratos no armário a conta não vai fechar, porém ela já não fecha para ninguém.
Sei que ninguém é insubstituível, mas isso não quer dizer que não sejamos únicos. Vão sobrar lugares na mesa lá e cá, nossa cadeira não será ocupada por ninguém no nosso país de origem e ninguém ocupará a cadeira que está bem na nossa frente. A quantidade de copos e talheres será diferente e sempre haverá um quarto vazio. Na foto do batizado da sua sobrinha você não estará, bem como na foto da galera que você bateu ontem não será possível encontrar seus melhores amigos.
Falta Aqui e Falta Lá
Apesar de termos criado resistência à saudade, em vários momentos ela se fará presente, porém isso não é privilégio só de quem resolve partir, é condição de quem precisa ficar. Nossos pais pensarão na gente o tempo todo, nós pensaremos nos nossos irmãos, seremos duramente castigados pela substituição compulsória.
Entenderemos que é necessário se colocar algo no lugar porque, se assim não for, jamais conseguiremos seguir em frente. A saudade dos nossos pais será descontada no exercício físico, a falta dos nossos amigos será acesa no cigarro, a nostalgia do jantar em família será sufocada por pizzas encomendadas com a galera do AP e as lembranças serão afogadas pelo trabalho em excesso.
Todos Sofrem, Todos Crescem
Quem nos ama vai sempre sentir a nossa falta. É recíproco, a dor daqui é a mesma de lá. Nossa mãe vai chamar alguém pelo nosso nome, nosso pai vai contar nossos feitos e conquistas com orgulho, nossos amigos irão falar da gente sempre que o país que escolhemos estiver na pauta ou aparecer no Globo Repórter. Essa saudade que nos inunda, alagará outros porões.
Se quem parte leva uma mala de saudades, quem fica tem um baú de lembranças que massacram. É o quarto vazio, é o violão que você não toca mais, são as roupas que não couberam na mochila, são suas coisas no banheiro, é fazer luto por alguém que não morreu. Aliás, quem parte para morar fora não morre, renasce. O sofrimento da partida é compartilhado por todos, mas resulta em crescimento mútuo, em sentimentos, palavras e ações que nos fazem crescer.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Contagem Regressiva
Do dia da partida em diante, haverá um eterna contagem regressiva por parte de todos. Nós que estamos morando fora contamos os dias para o reencontro, os pais contam as horas para o Skype, os namorados contam os minutos para que um beijo seja capaz de matar a saudade. Quem já morou ou ainda mora fora sabe que depois que partimos, coisinhas pequenas fazem muita falta. Chega a ser bobo de tão verdadeiro.
Lembro como agora do último abraço que dei no meu pai, do beijo que dei na minha mãe, de enxugar minhas lágrimas ao abraçar meu grande amigo que ficou e que não conseguiu se despedir sem se emocionar, do olhar do meu irmão no nosso último encontro. Parti antes da minha esposa e ficamos 5 semanas distantes até a sua chegada e acredite: eu chorava assistindo eliminação da Fazenda na Record Internacional. Era ridículo eu sei, mas era real e muito intenso.
Partir é para os fortes, mas ficar é para os resistentes. Um dia, quem sabe, a vida que nos separou seja responsável por nos reunir, seja capaz de oportunizar um reencontro, de permitir que a saudade seja esquecida nem que seja numa breve visita. Tomara que a intensidade dos abraços, a vontade do beijo e os olhares sejam os mesmos do dia em que partimos.
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