Eles podem ser só coisa da sua cabeça, ou não.
Nem o mais corajoso dos corajosos escapa, nem a mais determinada das pessoas consegue fugir das poderosas unhas e infindáveis tentativas de mordidas que os lobos das esquinas da nossa nova cidade e do nosso recém chegado país apresentam. O longo caminho parece nunca ter fim, são fases que vão sendo vencidas e trazem, por isso, mais desafios e diferentes perspectivas. Morar fora vai muito além de juntar documentos e informações, passa também por enfrentar o novo e encarar os lobos que teimam em tentar nos acoar.
Que lobos são esses?
Muito deles nem existem, mas nos assombram por estarem dentro de nós. O lobo do idioma que não dominamos, o lobo da negativa de um emprego que é tão comum por aqui, o lobo da cultura estranha da qual não nos sentimos pertencidos, o lobo da saudade da família, o lobo da conversão da moeda, o lobo da falta de amigos…são infinitos os lobos, mas nem todos eles existem. Aliás, me arrisco a dizer que alguns deles são coisas da nossa cabeça, mas outros tantos não só existem como fazem questão de nos mostrar isso a todo o instante.
Esquinas
A nossa nova cidade nesse nosso novo país é cheia de esquinas, esquinas que nem sempre tiveram suas arestas aparadas e, muitas vezes, nos arranham. É esquisito dizer isso, mas até um grupo no WhatsApp da empresa que a gente trabalha que serve para, em teoria, unir os colegas de trabalho, pode se apresentar como uma barreira dolorida de se ultrapassar. A diferença de cultura proporciona dores, dissabores. A falta de carinho, de afeto e de interesse dos nativos em nós é capaz de criar o maior e mais perigoso dos lobos, o da solidão na multidão.
Diferenças que nos Apartam
Muitas vezes pensamos que as diferenças podem nos unir, mas na prática sabemos que as diferenças servem muito mais para nos apartar, nos deixar de lado. Poucos são os que se interessam por você no novo país e o caminho para que se desperte o interesse é longo. O tal do “cada um por si” parece evidente, e é. Morar fora é, na maior parte do tempo, estar em um tram na Holanda, com o corpo cansado, com saudade de tudo, ouvindo outros idiomas estando em silêncio e clamando, na alma e no espírito, por um abraço amigo.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Uma força Estranha
Mesmo assim, com todos os contras que a experiência de morar fora nos proporciona, os prós valem muito a pena. Viver no exterior serve, entre tantas coisas, para que sejamos capazes de nos conhecer, de sabermos que temos uma força que nem os nossos pais tinham noção. Acordar aqui fora parece glamouroso, mas é muito mais dolorido do que chique. De qualquer forma, morando fora aprendemos que temos dentro de nós um EU que nunca tinha sido despertado e que somos fortes.
Coisas da Nossa Cabeça
A solidão é companheira. Não é o apartamento, não é o emprego, não é a grana. É o afeto, ou a falta dele. Quando abrimos nossas trilhas aqui fora, isso nos causa orgulho demais. Só quem mora fora sabe o que é conseguir um documento ou ter o visto validado por mais um ano. É pequeno, é bobo, mas nos diz muito, muda a nossa vida. Os lobos podem ser coisas da nossa cabeça, mas parecem se materializar em cada esquina. Nos atacam, mostram o quanto somos frágeis, porém também servem para nos engrandecer, nos tornar fortes. São inimigos íntimos e grandes amigos, fazem parte do nosso eu, mas não nos pertencem.
Morar fora é coisa de gente grande, não é para os fracos. Morar fora exige, cansa, fadiga. Morar fora nos faz crescer, nos faz chorar, nos torna fortes e mostra o quanto somos fracos. Vai do oito para o oitenta em questão de horas, nos faz dar valor para um papel assinado, proporciona o melhor e o pior dos sentimentos. Os lobos estão soltos e nos aguardam na virada da esquina e o resumo disso tudo é: ou encaramos de frente, ou nos acoamos e aceitamos a derrota.
E aí, vai colocar os seus lobos para correr ou se tornar uma pessoa submissa a eles?!
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*Cláudio Abdo publica textos sobre a experiência de morar fora todas às segundas e quintas aqui no site Vagas pelo Mundo.