Texto especial para quem já mora ou está pensando em morar fora.
Ultimamente, e não à toa, é muito fácil encontrar matérias em jornais, revistas e sites na internet onde a ideia de morar fora parece estar na moda. Claro, com a economia e a política, especialmente no Brasil, ocupando espaços de destaque nas capas dos jornais, revistas e nos preciosos minutos nos noticiários da TV, cresce a desesperança quando pensamos no futuro. Do outro lado, em momentos mais oportunos, nestes mesmos veículos de comunicação, aparecem matérias e reportagens que contam a história, de forma conveniente, de brasileiros que deixaram o país e estão tendo, agora, a “vida dos sonhos” em um país qualquer que não o Brasil. É bom ter atenção com essa ideia de que morando fora você irá resolver todos os problemas da sua vida, pois talvez isso não seja assim tão simples.
Cuidado
Tenho dedicado a minha carreira profissional e acadêmica para a comunicação e, talvez por ter acesso a receita, sei o que tem na massa dos bolos lindos que costumam nos vender. O que quero dizer com isso é que, nos grandes veículos de comunicação, encontramos jornalistas, publicitários e profissionais de comunicação brilhantes que andam com potinhos de criatividade e bons textos sempre a tiracolo. Escrever uma matéria sobre morar fora, mostrar UM cara que se deu bem, UMA família que está apaixonada por Lisboa nem é lá tão difícil. Se você “googlar”, por exemplo, em busca dos números da violência (tema que encontra especial relevância na vida dos brasileiros), encontrará dados “provados cientificamente” que mostram que o Brasil é muito mais violento que Portugal e poderá escrever meses e meses sem repetir palavras sobre isso. Se o seu público quer ouvir isso, diga isso a ele e corra para o abraço.
Fazendo Contas
Certamente que se você, em algum dia da sua vida que estava com tempo de sobra, leu aquelas “linhazinhas” pequenas que permeiam os contratos (compra de carro, contrato de internet, venda da casa e etc) viu o seu queixo cair. Isso acontece porque são nessas letrinhas pequenas que nós publicitários colocamos aquilo que não queremos que você leia, mas que por lei nos obrigam a colocar em anúncios e contratos. Naquelas letras miúdas você encontra os ingredientes do bolo, tudo aquilo que você sabe que pode causar câncer, mas que possui um sabor delicioso e deixa o bolo lindo. Agora, se a gente conseguisse fazer as contas necessárias de cabeça fria, veríamos que talvez não fosse a hora certa de comprar um carro ou uma casa, que morar fora vai além do desânimo do dia a dia e que não é tão fácil quanto parece “largar tudo e partir para o (suposto) paraíso”.
Leia outro texto de Cláudio: Morar fora: onde os fracos não têm vez.
O desespero faz coisas
Se um dia você conversar com um salva-vidas, aquele profissional que entra no mar, na lagoa, no rio ou na piscina para salvar quem está se afogando, pergunte para ele qual é a coisa mais difícil em sua profissão. Provavelmente, em algum momento da conversa, ele lhe dirá que é “administrar o desespero da pessoa que está se afogando”, pois alguém que está sentindo que vai morrer é capaz até de matar para se salvar. É instintivo, é natural, é nosso.
Se você está devendo, vê a inflação comendo o seu salário, se preocupa com a violência e anda em estado de alerta, não está conseguindo pagar o financiamento da sua casa, a mensalidade da faculdade só sobe, está com o cartão de crédito lhe sufocando, se preocupa com o futuro dos seus filhos, não aguenta mais pagar caro por produtos que lá fora são beeeeem mais baratos, assiste televisão e tem vontade de sumir, você é a isca perfeita para uma matéria que diz que “agora é a hora de morar fora” ou que “o país X é o paraíso”. Acredite, eles estão lhe jogando a boia.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Leia mais: Morar fora é estar em outra dimensão.
Um pouquinho da verdade
A verdade, ou um pouquinho dela, é que quando você chega no seu novo país, a vida demora para entrar nos eixos. Você deixou tudo para trás, está com a ansiedade no talo, veio com o dinheiro na medida, é de uma cultura totalmente diferente, não terá amigos, não terá vizinhos queridos, a comida tem um gosto diferente, você ainda não domina o idioma e cairá na real que arrumar emprego está difícil no mundo todo. Além disso, você precisa se despir do passado, verá que o que conquistou até agora não vale muito no seu novo continente e que sua reputação não veio na mala.
Nem preciso falar da saudade, mas ela será uma pedrinha no sapato. Estará sempre ali, em cada não que você receber, cada vez que alguém que nasceu e sempre viveu no primeiro mundo duvidar da sua capacidade. Se você for pai ou mãe, precisará levar em consideração o processo de adaptação dos seus pimpolhos e perceberá, nem sempre da maneira mais agradável, que cada um tem uma dificuldade para chamar de sua. Aliás, conheço famílias que voltaram para o Brasil por conta disso e provavelmente não aparecem nas matérias que referi no começo do texto.
Não quero estragar o seu churrasco
Olha, se você chegou até aqui achando que eu quero jogar água na sua churrasqueira, está cometendo um engano. Não quero. Desde que deixei o Brasil em 2014, consigo enxergar o mundo de uma maneira diferente e acho que isso é parte integrante da minha experiência maravilhosa de morar fora. Sei que cada um terá uma experiência diferente, cada um sabe o que sente e como sente. Sei também que morar fora pode ser a coisa mais maravilhosa que pode acontecer na vida de alguém, como também sei que pode ser a pior decisão que um dia a gente pode ter tomado.
Se você tem motivação de sobra, apoio da sua família, coragem e quer enfrentar o novo de peito aberto, se jogue. Porém, leve sempre em consideração as suas fraquezas e acredite: elas ganharão especial destaque aqui fora. Tudo aqui fora é muito intenso.
Um alerta
Só quero que você saiba que aquilo que está na revista dessa semana ou na grande reportagem da TV sobre morar fora não é bem assim. Que morar fora é, muitas vezes, cruel. Que você abre mão de muita coisa, que perderá o contato com pessoas próximas, que vai perceber que não era tão importante quanto pensava ser. Eu me dei bem com isso, depois de passar por longos processos de conversas entre eu e eu mesmo, mas não foi fácil quanto parece quando estamos desesperados. Vender facilidades e jogar a boia para quem está se afogando é fácil, difícil mesmo é se colocar no lugar do outro, ter empatia e dizer aquilo que ninguém quer ouvir.
Morar fora é uma aventura, bem como escalar o Monte Everest também é. Dependendo do preparo, alguns chegarão no topo e fincarão a bandeira, mas a maioria vai ralar muito para conseguir simplesmente respirar e colocar a vida em ordem. Tentar é um direito seu, meu e nosso, assim como saber o que iremos encontrar pelo caminho, dito por alguém que já está na estrada, também é.
E aí, vai arriscar tudo ou vai pensar melhor?! Qualquer uma das escolhas será boa, mas se quiser optar pela primeira, vai que um dia a gente se encontra por esse mundão! 😉
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*Cláudio Abdo publica textos sobre a experiência de morar fora todas as semanas aqui no site Vagas pelo Mundo. Volte sempre!