O tempo não é o mesmo para cada pessoa e, vez ou outra, nos questionamos se devemos seguir em frente ou voltar.
Quando partimos para a aventura de morar fora, estamos tão ansiosos e cheios de expectativas em chegar e colocar a vida nos trilhos no nosso novo país que nem temos muito tempo para organizar os pensamentos. É tanta coisa, uma infinidade de documentos, temos que procurar um lugar para alugar, devemos satisfação. Claro, os que ficaram querem saber o que vai ser da nossa vida daqui em diante e uns até fizeram altas apostas, mesmos mentais, de quanto tempo aguentaremos o repuxo longe de tudo e de todos.
Tempo e Expectativas
Eu sou um representante da geração McDonald´s, aquela que tem pressa, que come qualquer porcaria escorado num balcão, que não tem paciência para esperar as coisas acontecerem no seu tempo. Quando resolvemos que partiríamos para uma vida longe de onde nascemos, nos apressamos porque não tínhamos a vida toda para decidir, foi meio que de um ano para o outro, quiça de um semestre para o outro ou até naquele mês mais maluco de sempre. Pegamos o pouco que tínhamos, nos organizamos do nosso jeito e fomos. Porém, nossas expectativas se sobrepõem ao tempo disponível que temos e, sendo assim, muitas vezes aqui fora nos pegamos pisando na linha do arrependimento, na ideia de que tudo demora para dar certo e que o tempo está voando e ainda não nos estabilizamos. Temos altas expectativas e pouco tempo, a conta não fecha.
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Parar ou ir adiante?
Ah pois é. Eis uma questão altamente complexa e que exigirá muitas cervejas e boas conversas. Se a pressa é inimiga da perfeição, como queremos que, após sairmos da nossa zona de conforto e abraçarmos o inédito, nossa vida se resolva num país que não é o nosso, numa língua que não é a nossa, comendo comidas que não são a nossa, tendo experiências que nunca tivemos, tudo isso elevado na milésima potência?! – a resposta, talvez, seja simples: é hora de montar a tabela da vida e pontuarmos positiva ou negativamente, o que ganhamos ou o que perdemos, morando fora. Não tem fórmula, não é a coisa mais fácil de se fazer e as respostas que surgirão nem sempre irão nos agradar. Será necessário, mais uma vez, usar da nossa coragem para compreendermos se devemos prosseguir ou retroceder.
Nós mudamos
Porém, saiba que nós mudamos muito morando fora. Crescemos, aprendemos, apanhamos, choramos, fizemos novos amigos, conhecemos novos países, abrimos portas, fechamos janelas, nos blindamos contra a saudade, entendemos que morar fora nos tornou fortes e críticos. Digo isso para que tenhamos em mente que se optarmos por parar e retornar ao ponto de partida, sofreremos e o nosso sofrimento se dará por conta, justamente, do fato de termos mudado. Se nossa opção for continuar, talvez tenhamos que rever nossos planos de navegação, alterar algumas estratégias e trabalhar para atingirmos as expectativas que tínhamos quando chegamos na nossa nova terra.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
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Barreiras e Freios
Partimos do nosso país de origem como um trem bala. Estamos abastecidos, temos gás para atingirmos a velocidade máxima e estamos acelerando. É normal chegarmos aos 200 quilômetros por hora, acelerados e com vontade de resolver a vida. Porém, com o passar dos dias, algumas barreiras vão aparecendo na viagem e nós começamos a desanimar. É normal e natural que isso aconteça. Como tínhamos expectativas acima da média (para não dizer as mais altas do mundo), quando caímos na real e entendemos que morar fora é para os fortes e bons de espírito, nossas fraquezas tendem a surgir com força total. É uma coleção de “nãos”, é o choque cultural, a diferença do idioma, a falta da família, a saudade dos amigos e tantas outras coisas que, naturalmente, nos fazem colocar o pé no freio e tirar o pé do acelerador.
Morar fora tem prazo de validade?
Diante de tantas situações (para não dizer loucuras) que acontecem com quem mora fora, será que morar fora tem prazo de validade? – pergunto isso porque fico na dúvida se, algum dia, conseguiremos nos despir do nosso passado, da nossa história, da nossa cultura, do nosso jeito de falar e seremos capazes de nos incorporarmos e deixarmos de sentir que somos estrangeiros. Não, eu não estou falando de adaptação, me refiro ao fato de que morar fora exige de nós uma capacidade de renovação constante, de sermos resilientes, de não podermos surtar e de termos que provar, o tempo todo, que somos suficientemente bons para ocupar aquela vaga, para conseguir o documento, para passar uma fronteira, para pegar um avião ou para chegarmos no nosso objetivo.
Morar fora é puxado. Pegar uma estrada nova sem mapa e não baixar o velocímetro dos 100 por hora é tarefa para os pilotos mais habilidosos. Nem sempre teremos uma segunda chance aqui fora, temos que trilhar um caminho que ainda não existe, temos que ter punhos de ferro, temos que chegar lá. É assim para você, é assim para mim, é assim para nós. Se você quer saber se está valendo a pena, lhe digo: MUITO. Jamais imaginei que seria possível crescer tanto, mudar de uma maneira tão acentuada, conhecer pessoas fabulosas, ver e sentir coisas de maneira tão intensa e em tão pouco tempo. Foi aqui, longe de casa, que aprendi que o tempo é o melhor remédio e que a aventura da vida vale a pena.