Parece que não, mas quando decidimos partir tomamos uma decisão para sempre. Pode acreditar.
As vezes fazemos por impulso, outras vezes é uma escolha muito bem pensada e planejada, vez ou outra é por pouco tempo, porém morar fora é uma decisão para sempre. Você resolve se mudar, quer novos ares, necessita desapegar sei lá do que, precisa crescer, pretende conhecer o mundo e, por que não, se conhecer? — pois é, a decisão de morar fora será um divisor de águas na sua vida e, a partir de então, você dividirá as suas histórias em “antes de eu ir” e “depois que eu fui”.
Morar fora: uma decisão para sempre
Acontece que temos uma dificuldade imensa de pensar no futuro, imaginar como seremos na velhice ou até mesmo daqui 10 anos. Temos, por hábito ou necessidade, a ânsia e a pressa do agora. Tudo é para ontem e a exigência é grande, a gente precisa ganhar dinheiro logo, estamos desesperados por independência, corremos contra o tempo. E, justamente por não conseguirmos imaginar como será lá na frente é que a gente se preocupa com o hoje. Morar fora nunca foi tão agora e você sente que já deveria ter partido.
Quando fui morar fora, não imaginava que estava tomando uma decisão tão importante e, por mais que a gente faça mil planejamentos, a vida teima em mostrar seu ineditismo. Por ignorância ou inexperiência, eu não entendia que ao fechar as malas eu estaria selando a minha mudança, para sempre.
Eu jamais veria o mundo com os mesmos olhos, eu nunca mais seria o cara que eu sempre fui, eu passaria a compreender coisas que antes eram incompreensíveis, eu começaria a duvidar de tantas certezas. Quanta mudança, quanta diferença.
Morar fora: uma chance para recomeçar.
Uma ligação que nunca será quebrada
O “para sempre” do título surge quando a minha esposa engravida. Nós, que vivemos em Portugal desde 2014, temos agora uma filha que nasceu fora do Brasil e garantiu, literalmente, que a decisão de morar fora foi para sempre. Para sempre porque o país que, em princípio, seria o nosso local de residência por algum tempo, ficará para sempre na nossa história e memória.
Para sempre porque temos, desde o nascimento dela, uma ligação carnal que nos acompanhará até o fim dos nossos dias. Para sempre porque, lá naquele futuro que a gente desconhece, a nossa filha vai querer revisitar a sua história e certamente chegará até o país que acolheu os seus pais no passado.
Mesmo que a gente não queira, a aventura de morar fora que, inicialmente até poderia ser provisória vai, aos poucos, se tornando permanente. Devagarinho, esse país novo começa a se tornar um pouco nosso também e, dia após dia, a gente vai se sentindo mais em casa. Faz amigos, se ambienta, acolhe e é acolhido. Porém, quando a vida se ajeita do lado de cá do Atlântico e o casal que chegou com dois cachorrinhos há algum tempo resolve ter um bebê, tudo parece mudar de figura.
No momento em que a gente ouve o choro da nossa filha, estando a milhares de quilômetros de onde a gente nasceu, a ficha parece que cai de uma só vez. A emoção se mescla com saudade, a gente quer anunciar a novidade para todo mundo, dá vontade de berrar na janela do hospital, como se os nossos familiares e amigos do Brasil fossem ouvir. A tecnologia, aquela mesma que sempre nos aproxima, dá uma mão daquelas e, ainda da sala de parto, a notícia vai para os confins do mundo.
Morar fora: ou você muda ou você volta.
O provisório é promovido para permanente
Voltando a história da ficha cair de uma só vez. Quando você percebe que está dentro do hospital, vê a sua esposa sendo atendida por uma equipe de médicos e enfermeiros que não falam do jeito que você sempre ouviu, realizando procedimentos que, até então, não existiam no seu repertório. A ficha cai. E a ficha cai porque é exatamente naquele momento que o provisório é promovido para permanente, é quando você faz o registro de nascimento da sua filha e o documento diz que ela é natural de uma cidade que fica em um país que, até bem pouco tempo, não era o seu.
Porém, agora é e o país que foi escolhido para a aventura de morar fora sobe de patamar. Desde o nascimento da nossa filha, Portugal ocupa um espaço ainda maior no nosso coração, ocupará um lugar de destaque na nossa vida e na dela e será. Para sempre, o lugar que acolheu dois jovens recém-chegados do Brasil com quatro malas, duas mochilas, duas cachorrinhas, um computador e que vieram arrastando toda a esperança que conseguiam. Sobrava coragem, mas também tinha medo de sobra, ansiedade e uma expectativa absurda de como seria o nosso recomeço.
Morar fora é isso. É embarcar na maior aventura da vida, é abraçar o inédito, é aprender minuto a minuto, é entender o significado de saudade, é enfrentar medos, é se conhecer, é realizar sonhos, é engolir frustrações, é permitir que o país de destino entre na sua vida para nunca mais sair. A cada dia entendo mais que morar fora é, com certeza, uma decisão para sempre. SEMPRE!
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