Como é que uma vocação pode tornar-se uma ex-profissão? Entenda por que muitos médicos na Suíça têm mudado de carreira.
A escassez de mão de obra qualificada é uma questão que tem afetado os médicos cada vez mais e muitos profissionais estão sobrecarregados. Precisamos reconhecer que a evolução demográfica e a tendência da sociedade em buscar aconselhamento médico, até mesmo para assuntos triviais, têm contribuído para essa realidade. Por outro lado, o número de médicos em formação (residência médica) não é suficiente e, ao mesmo tempo, muitos profissionais estão abandonando a profissão.
Por que muitos médicos na Suíça estão abandonando a profissão?
Conforme um relatório da OBSAN (The Swiss Health Observatory), publicado em 2021, quase um terço (31%) dos médicos na Suíça não estão mais trabalhando na área da saúde. Esse número inclui médicos aposentados, mas é surpreendente notar que uma parcela significativa dos especialistas está deixando a profissão antes dos 35 anos de idade. Quais seriam as razões para essa tendência e quais abordagens estão sendo consideradas para resolvê-la?
Um estudo conjunto da FMH (Federação dos Médicos Suíços) e da ASMAC (Associação Suíça de *Médicos Assistentes e Chefes de Clínica) analisou a questão dos médicos na Suíça que abandonam a profissão. Entre aqueles que não estão mais exercendo a medicina, cerca de um quarto deixou a carreira antes de concluir sua formação /conclusão da especialidade médica e quase 40% saíram após cinco anos de obtenção do diploma de medicina.
Uma pesquisa realizada em 2022 com médicos que trabalham em hospitais e encomendada pela FMH (federação médica helvética) revelou que 25% dos médicos assistentes (médicos residentes) e que trabalham com patologias agudizada estão seriamente considerando buscar emprego fora do sistema de saúde suíço.
E esse fenômeno afeta médicos de todas as idades. Enquanto colegas que exercem a profissão há muito tempo mencionam principalmente a sobrecarga administrativa, a crescente micro-regulação e regulamentações mais rigorosas como principais problemas. Aliás, esse fenômeno parece ser ainda mais acentuado entre a geração mais jovem.
“No meu próprio círculo, tenho percebido cada vez mais jovens que estão começando a carreira médica e já pensam em abandoná-la, especialmente nos últimos anos”, afirmou a Dra. Jana Siroka. Ela faz parte do comitê da FMH (Federação dos Médicos Suíços).
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Cultura de feedback é importante em todas as áreas
Uma boa comunicação e uma cultura de “feedback” são fatores essenciais para aumentar a satisfação e o bem-estar no trabalho. Um colega que está na profissão há menos de um ano compartilhou com a Dr. Jana Siroka o seguinte depoimento: “Foi durante uma situação de crise no serviço de urgência que comecei a pensar em desistir da profissão”. Ele disse ainda: “Decidi persistir porque me senti compreendido pelos meus superiores. Eles me ouviram e me ofereceram outro lugar na clínica, que aceitei”.
Outro jovem colega explicou: “Deixei meu primeiro emprego após alguns meses porque não tinha mais vida pessoal. Agora, estou trabalhando novamente na mesma clínica, mas em regime de meio período (50%)”. O profissional afirmou: “Graças às concessões que me foram feitas, como três meses de licença sabática para trabalhar em uma fazenda, agora tenho um equilíbrio muito melhor entre minha vida profissional e pessoal, e estou muito satisfeito com o que faço”.
“Esses dois jovens estão no caminho certo para se tornarem excelentes médicos, demonstrando um empenho acima da média, e, com as condições adequadas de trabalho, eles podem ser uma mais-valia para equipe”, afirmou a médica Jana Siroka.
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Autoestima é tudo: médicos na Suíça não se sentem reconhecidos
Uma pesquisa recente realizada nos Estados Unidos com diferentes grupos profissionais sobre os motivos de demissão revelou uma razão fundamental: o sentimento de não ser reconhecido. Os trabalhadores da área da saúde obtiveram uma pontuação significativamente mais alta (31%) do que os de outros setores.
Além disso, seu sentimento de bem-estar, tanto mental quanto físico, era significativamente inferior ao de outras profissões. Podemos concluir que o mundo da medicina enfrenta um problema de autoestima?
Nesse contexto, um estudo realizado em 2020 pela FHNW (Universidade de Ciências Aplicadas e Artes Northwestern Switzerland) é particularmente interessante. Esse estudo analisou a forma como médicos de três gerações – baby boomers (nascidos antes de 1965), geração X (entre 1965 e 1980) e geração Y (entre 1981 e 2000) – se comunicam entre si.
Os resultados mostram que, em todas as gerações, os médicos compartilham muitas concepções fundamentais de comunicação, gestão e valores. A conclusão mais surpreendente do estudo está relacionada à relação entre a satisfação profissional e o tom usado para comunicar: quanto mais positivo for o tom considerado na equipe, mais os médicos se dizem satisfeitos com seu trabalho no hospital. Existe aqui um efeito geracional marcado.
Médicos da geração Y
De modo geral, os médicos da geração Y são significativamente mais sensíveis à forma como a comunicação ocorre do que as gerações anteriores. Uma boa comunicação entre gestores pode contribuir significativamente para a satisfação e o bem-estar no trabalho. O feedback (resposta sobre o seu trabalho) desempenha um papel fundamental nesse aspecto.
Para a geração Y, o lema é “sem feedback = más notícias”. Isso significa que eles veem o feedback como uma parte essencial do seu trabalho, dando-lhes a sensação de serem valorizados e ajudando-os a sentirem-se mais confiantes.
De acordo com o estudo, para reduzir o número de médicos na Suíça que abandonam a profissão, é necessário diminuir a carga horária de trabalho. Um sistema de tutoria nos consultórios ou entrevistas de carreira com mentores também podem contribuir para equilibrar a balança. Sem contar, que também pode incentivar as pessoas a permanecerem na profissão.
Com esse objetivo, a FMH lançou, há cinco anos, o projeto “Coach my career”, em colaboração com outras organizações médicas. Até o momento, foram realizadas nada menos que 200 entrevistas entre médicos mais experientes e médicos jovens.
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A semana de 42+4 horas
Para reduzir o número de médicos na Suíça que abandonam a profissão, é necessário diminuir a carga horária de trabalho. Segundo o inquérito realizado este ano com os membros da ASMAC, a grande maioria dos médicos hospitalares entrevistados deseja uma redução significativa da sua semana de trabalho. Atualmente ela é de 56 horas em média.
Desse modo, a ASMAC propõe uma semana de 42+4 horas. Sendo assim, 42 horas seriam dedicadas ao atendimento aos pacientes e 4 horas destinadas à formação pós-graduada estruturada (residência médica). Já estão em curso projetos-piloto em alguns hospitais e clínicas para testar essa proposta de carga horária.
Em junho, a ASMAC convidou representantes do FOPH (Escritório Federal de Saúde Pública) e dos cantões para uma reunião. O objetivo foi discutir essa solução e outras condições essenciais relacionadas à satisfação profissional.
“Vamos ouvir e aprender uns com os outros, entre gerações, disciplinas e especializações. O Conselho de Administração do Centro Hospitalar (CDS), a associação hospitalar H +, a FMH, a AMDHS e o ISFM participaram de uma mesa redonda para discutir essas questões. Os debates foram construtivos e agora continuarão em pequenos grupos.”, afirmou a Dra. Jana Siroka.
Os três temas principais – condições de trabalho, burocracia e formação pós-graduada (residência médica) e contínua – serão explorados com mais profundidade, pois são decisivos na escolha de permanecer ou abandonar a profissão.
Para Dra. Jana Siroka “Vivemos em um mundo em constante mudança. Precisamos ouvir e aprender uns com os outros, entre diferentes gerações, disciplinas e especialidades. Sentir-se considerado e respeitado proporciona um sentimento de estima que, estou convencido, convencerá mais médicos a permanecerem fiéis à “mais bela profissão do mundo”.
*Médicos Assistentes = médico residente (médico em formação)
*Chefes de Clínica (Chef de clinique) = médico recém-formado na especialidade médica.
*Artigo publicado pela FMH da Suíça, com tradução de Janine Diniz Fortuna.
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