Se você tem medo de errar, talvez não seja a pessoal ideal para morar fora.
Ficar no lugar comum é bem mais fácil, mais seguro e mais tranquilo. É fácil porque não exige muito, é mais seguro porque você não arrisca e é mais tranquilo porque não existe crítica de lado algum. Quem opta por “ser mais um na multidão” jamais entenderá a mente de quem decidiu morar fora. Nós que ultrapassamos a barreira do lugar comum, aquele em que todo mundo está e que oferece essa tal facilidade, segurança e tranquilidade, sabemos que partir não é para qualquer um. Ter um emprego que paga as contas, viver em um apartamento alugado, se contentar com o que se tem é o lugar comum. Quantas vezes ouvi como resposta às minhas inúmeras perguntas que “sempre foi assim”, “que isso nunca vai mudar” ou que eu “devia aceitar as regras do jogo”. Porém um dia alguém me disse “os incomodados que se retirem” e, desde então, minha vida mudou.
Lutando comigo mesmo
Para ser mais um na multidão não precisa muito. Basta que você siga as regras ditadas por alguém, não critique e mantenha a calma. Eu fui assim durante muito tempo, até que cheguei em um cruzamento da vida e tive que optar. Optar em continuar sendo aquele carinha que estava na média, que conseguia ter um emprego razoável, que contava as horas para final de semana, que sentia o coração bater na garganta domingo à noite. Era uma luta, uma batalha travada comigo mesmo. Eu estava em cima da linha, mas resolvi dar um passo adiante, ir em busca de respostas para as minhas perguntas, pegar uma régua e ir medir o mundo, vencer meus medos e travar outras batalhas, bem longe.
Medo de Errar
Não somos treinados para errar. Aliás, muito pelo contrário, somos exaustivamente ensinados a jamais errar, a não recuar sob hipótese alguma, a desviar dos ‘nãos’ e buscar, a qualquer custo, os ‘sims’. Claro, precisamos encontrar os ‘sims’, pois sempre tem alguém a nossa volta que nem tem 30 anos e já “deu certo”, tem sempre um filho ou filha do amigo de não sei quem que foi contratado por aquela super, mega, ultra, power multinacional dinamarquesa e está super bem. Assim, com tantos fantasmas em volta, seguimos ali, pisando na linha que os outros determinaram como certa e que leva para um tal de futuro. Que futuro?! Que linha?! Quem disse isso?! Por que eu tenho que “dar certo”?! Quem disse que ser contratado por sei lá que empresa é sinônimo de que a pessoa deu certo?!
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Perdendo o Medo
A gente vai crescendo, vai apanhando, vai tomando porrada, vai levando ‘nãos’ e entende, certa feita, que a vida não tem receita. Que no final do mês poucas pessoas (ou ninguém) vão lhe ajudar a pagar suas contas e percebe, finalmente, que precisa perder o medo de errar e arriscar. Quando a gente decide morar fora, a gente pega todo o nosso dinheiro, todas as nossas fichas, sonhos, ideais e empurramos, de uma só vez, para o centro da mesa da vida. É a maior aposta de sempre e nós apostamos alto, não estamos de brincadeira. A gente treme, a mão está suada, a voz embargada e o corpo prestes a entrar em colapso. Essas sensações fazem parte do processo de perda de medo que estamos enfrentando.
Quando Partimos
Quando vamos embora, levamos o que sobrou da nossa vida e de nós numa caixa. Tudo o que tínhamos virou passado, nossa história de vida se resume a uma pasta de documentos, papéis que servem para provar que temos passado, que temos currículo, que nascemos onde estamos dizendo que nascemos, que estudamos o que afirmamos ter estudado. Toda essa papelada, no fim das contas, serve para que o processo de mudança seja menos doloroso. São, para todos os efeitos, memórias. Partir para o novo é trabalho pesado, é pular num lago de águas escuras e geladas.
Erramos, mas tentamos
Só quem tenta é que erra. Ficar na mesma não exige muito de nós, continuar na vidinha comum é continuar na trilha onde milhares passam ou já passaram. Ela já está marcada, nada de muito novo pode acontecer, está tudo sob controle. Nós que resolvemos morar fora estamos tentando, porém nem sempre acertando. É tudo novo, ninguém nos conhece, nosso passado aqui não tem muita validade. É daqui para frente, é uma reconstrução diária que causa dor, sofrimento, angústia e ansiedade. Porém, aos poucos tudo parece que vai se ajeitando, a vida começa a voltar para os trilhos, a gente já fez um novo amigo aqui e outro acolá, nosso telefone já voltou a tocar. Estamos vivos.
Morar fora é esmurrar o medo, é entrar no ringue contra o nosso maior adversário, é passar noites em claro, é caminhar no penhasco que divide o “dar certo” do “o que que eu fui fazer da minha vida”. Todos os dias abrimos portas que nem sempre tinham que ser abertas, erramos. Aqui fora nós aprendemos, na marra, o custo de se errar, mas também aprendemos que é justamente errando que estamos crescendo, que estamos vencendo as batalhas que nos impõem. Do lado de cá, os fracos não resistem e os fortes, muitas vezes, se ajoelham e sentem as lágrimas escorrendo rosto abaixo.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
5 Comentários
Obrigado pela resposta. Estivemos em Portugal em um giro pela Europa em 2013, embora por lá tenham sido apenas 8 dias, deu pra ter uma ideia de que, se não é um paraíso, pelo menos tem um monte de coisas boas e potencial pra proporcionar uma excelente experiência e uma boa qualidade de vida. Minha esposa tem muito receio da barreira do idioma, então Portugal seria o mais viável mesmo (eu me viro bem com inglês e tenho convicção de que morando no lugar e convivendo no dia a dia, auxiliado por um bom curso, é possível aprender com relativa rapidez qualquer idioma ocidental), pois ela teme não conseguir se adaptar em outras paragens se tiver que aprender outro idioma. Mas ela se apega mesmo ao fato de que aqui eu tenho um emprego estável (estou na mesma empresa há 16 anos), com plano de saúde, e demais vantagens e teme largar o certo pelo duvidoso. Só que eu acho que vale o risco, pois aqui trabalho mais para o governo (em forma de impostos) do que para mim e não vejo retorno algum, fora a insegurança que graça nas ruas que tb me tira o sono. Enfim, temos tido esse debate com frequência…
Olá Fábio!!! Não é uma decisão fácil, mas quem sabe você consegue levar ela a passeio e mostrar as coisas boas do lugar. Ela pode mudar de opinião. Grande abraço e boa sorte!
Eu tenho muita vontade de ligar o “phoda-se” e me mandar… Minha mulher é contra, e essa é uma batalha que terei que travar. Mas tenho cidadania portuguesa e to com o pé que é um leque…
Muito obrigado André!!!! Grande abraço!!!
Que texto!!! Parabéns!!!