Todos os dias, em algum momento, ficamos de frente com ele.
Entra ano, sai ano e nós vamos resistindo. Nos acostumamos, morando fora, a matar um leão por dia. Em alguns dias o bicho não é tão grande, mas tem outras vezes que parece o maior leão do mundo. Uns chamam de saudade, outros de aperto de grana, outros ainda preferem chamar apenas de língua, outros ainda acreditam se tratar do frio, para uns outros é a comida, a distância, são as incertezas da vida de uma pessoa que mora fora. São tantas coisas, tantos sentimentos, tanta angústia, tanta saudade, tanta ânsia em ser logo daqui, em sermos aceitos aqui. Sei lá, ao invés de ficar dando apelidos, hoje chamarei tais sentimentos e coisas apenas de leão.
Um dia de cada vez
Morando fora aprendemos a viver um dia de cada vez. Esse negócio de fazer mil planos antes de dormir não tá rolando. Não é por falta de imaginação ou de pensamentos distantes, muito pelo contrário, é só uma defesa. Uma defesa para evitar esses pensamentos tão irreais que nos fazem fritar na cama, de um lado para o outro. Precisamos descansar, o novo trampo está puxado, mas mesmo assim vamos vivendo um dia de cada vez. O nosso visto tem validade, estamos sempre esperando um documento, a nossa vida é vivida de maneira intensa, mas dividida em blocos de 24 horas e só.
Um leão por vez
Não costumamos acumular leões para serem mortos. Acordamos e focamos no leão daquele dia. É a mudança de casa, a chegada de algum estranho para dividir apartamento, o planejamento de uma viagem, o novo trabalho, o começo das aulas…enfim. Podemos matar até mais de um por dia, mas nunca deixamos que eles se acumulem, não dá. Temos foco, somos organizados e talvez seja essa organização que permita que ainda estejamos por aqui, numa terra que não é a nossa, mas que a cada dia que passa encontra mais espaço nos nossos corações. Morando fora aprendemos a amar o nosso canto, a gostar de um parque que nem conheciamos há pouco tempo. A intensidade da vivência no exterior nos faz crescer, nos faz enfrentarmos nossos problemas e desafios de frente. Não fugimos dos nossos leões, aliás os enfrentamos de peito aberto.
Guerreiros da faquinha
Disseram que morar fora era moleza, mas descobrimos logo que isso era mentira. Nos contaram que era a coisa mais deliciosa do mundo e vimos, de pronto, que não é bem assim. Morar fora tem lá suas delícias e suas molezas, mas quem vem achando que só vai encontrar isso está redondamente errado. Aqui temos uma faquinha de serra para tentar encontrar o coração do leão. Sim, nossos dias são de luta, de muito trabalho, de cuca fervendo para encontrar a melhor solução, de correr do jeito que dá, de ir vivendo. Com nossa mísera faca enfrentamos os leões e quando não conseguimos cravá-la em seu coração, pelo menos tentamos espantar o bicho por mais algumas horas.
O leão está sempre com a gente
Seja logo ao acordarmos ou quando nos deitamos depois de um dia cheio, o nosso leão de cada dia está lá. Divide a casa com a gente, dorme na mesma cama que nós. Amanhã, logo que o dia espantar a noite, ele virá e nós o enfrentaremos. Não temos medo, somos guerreiros. Usamos a saudade que levamos no peito para nos guiar, temos tantas motivações, você não tem ideia do que passa na nossa mente. Desde que deixamos o conforto da nossa casa, lá na nossa cidade natal, construímos avenidas em nossos pensamentos e assim a vida vai sendo levada.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Mataremos um, dois, três ou quantos leões forem necessários por dia. Seguiremos o nosso caminho sem se importar com o tamanho da faca que temos para nos defender e já lhe adianto senhor leão: prepare-se melhor, porque lhe enfrentando todos os dias, estamos muito bem treinados e já não o tememos como antigamente.
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*Cláudio Abdo publica textos sobre a experiência de morar fora todas as semanas aqui no site Vagas pelo Mundo.
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