Tatiana Vieira é ilustradora e idealizadora do projeto ‘O mundo é o meu quintal’.
Uma mochila nas costas e olhos grandes. É assim que Tatiana Vieira se identifica, logo de cara. Ela é uma escritora, ilustradora e designer gráfica brasileira que resolveu largar tudo para viver e experimentar o mundo com os próprios olhos. Tati já morou em três países: Alemanha, China e Estados Unidos, onde está atualmente. Com nove países na bagagem, ela resolveu criar postais de onde visitou para presentear seus pais, que nunca saíram do Brasil. A ideia deu tão certo que sua personagem Süssie ganhou voz e conta ao mundo suas percepções, afetos e impressões.
Como artista nata, ela recria o que seus olhos veem e transmite aquilo que a emociona. Com um computador na mão, ela não tem mais casa, um país, ou uma terra. Para ela, o mundo é apenas seu quintal e a distância, o longe, não existem.
Confira a entrevista exclusiva que o site Vagas pelo Mundo fez com Tatiana Vieira:
Como foi sua decisão de morar fora?
Tatiana: Eu queria era ver o mundo, transbordar. Aí, quando fui caminhando, caminhando, fora estava. Eu queria seguir com trabalho remoto com a Etérea Design, usando minhas pesquisas para compreender inquietudes que eu tenho e ficar um tempo em cada lugar. Acho curioso como as pessoas dizem que “estiveram” nos lugares, apenas pelo fato de pisar o solo, respirar o ar, mas absorver a atmosfera leva tempo.
Você segue a filosofia do nomadismo? Como funciona?
Tatiana: Esse é um ponto curioso. Sou nômade desde cedo, assim como tantos amigos meus, que, para sair para lugares não tão distantes, precisam carregar seu kit sobrevivência, que significa desde itens de higiene, roupas, equipamentos, pois, nunca se sabe se um job vai pintar e, não tendo internet em casa, visitar amigos e transitar entre eles e a biblioteca do centro da cidade faz todo sentido para manter o trabalho funcionando. Inclusive isso se refletiu em meu projeto final da pós-graduação em moda que concluí dias antes de embarcar para a Alemanha.
O ato de “carregar a casa nas costas” funcionava no começo como uma forma de sobreviver e não desanimar, pois, como eu visitava meus melhores amigos no universo e, além do acesso, eu os tinha comigo, era sempre algo bom. Então, o que poderia ser o triste e sem saída, virou caminho. De conversas, sempre nascem mais coisas boas, trocamos, rimos. E isso já era mais saudável que a vida abusiva de bater cartão.
Hoje posso trabalhar de casa ou ir a um café nos fins de semana e enviar os projetos, como foi em minha temporada a China – que eu praticamente não tive acesso à internet e foi muito bom desconectar. A cada lugar você revê o tempo, o fuso, os prazos. Incluindo a forma de pensar, pois, se cada cliente é único em seu país, imagine se forem do mundo todo, com vidas e culturas totalmente distintas? Isso é muito enriquecedor.
Você já sofreu algum preconceito por ser brasileira?
Tatiana: Acho que não diretamente. Penso que do lado de cá não existe muito “brasileiro” e sim “latino”, somos todos uma coisa só para eles, sejam europeus ou americanos, e aí sim a impressão fica um tanto ruim. Mas, comumente dizem que não pareço brasileira e lembro de ouvir de uma colega de trabalho dizer: “ah, mas você é francesa? Tem sotaque francês em seu alemão”. Mas, a verdade mesmo é que eu não me sinto brasileira. Eu me sinto um ser que nasceu no Brasil, mas o Brasil é um chão no mundo, não sei se consigo ser muito clara, mas eu sou parte de um todo, o planeta, não a terra-Brasil.
Como é morar sempre em um lugar diferente?
Tatiana: É muito legal. Você se identifica e aprende muitos códigos de cada lugar e recombina com quem você é. Posso ser e fazer o que eu quiser, aprendo a todo instante e muitas vezes fico com uma vontade muito intensa de conversar com quem planeja a cidade, constrói pelas cidades objetos e recursos. Tem muita coisa mais bacana em X cidade que, se conversasse com a Y, ambas seriam muito mais sensacionais e fluiriam melhor em muitos sentidos. É mais ou menos o que eu vejo no mundo acadêmico. Batemos tanto o pé, o peito ou vamos com o pé no peito mesmo, defendendo que “o que EU estudo, MINHA cadeira é melhor” etc e não percebemos os pontos de apoio e concordância. As pontes cada vez menores, partidas. Brigamos demais por nada. Título não adianta muito, ou nada, ousaria dizer, se não aplicamos as pesquisas de verdade. Pesquisar o que lhe conferirá apenas mais um papel e nada nas ruas, no mundo real, ao ser humano, causa-me muito estranhamento no sentido de: a que veio então pesquisar isso?
Como surgiu o projeto ‘O Mundo é o meu Quintal’?
Tatiana: Surgiu em um fim de semana, em meu quarto alugado na Tijuca, Rio de Janeiro. Eu queria testar possibilidades, roupas, cenários e comecei a fazer postais. Eu já tinha visitado Londres, Paris, Praga, Amsterdã e Dublin, mas meus pais mal saíram do Rio ao longo da vida. Minha avó era de Tombos, Minas Gerais. Eu achava muito sensacional ela ter viajado sozinha para o Rio [em uma época outra, há quase 70 anos], juntar dinheiro e levar boa parte da minha família para lá. Teve todo esse trabalho para nos “tornar cariocas”, brincadeira que faço comigo mesma, mas que faço questão de usar meu “uai”, quando necessário.
Então foi a forma que eu criei de, quando viajar, chegar em casa mais cedo – se os serviços de postagem ajudarem. Gosto de surpresas, então ilustro onde estou e eles têm um pouco de mim, como quando eu era criança e os presenteava com desenhos. Como se fosse sempre assim e pra sempre. Mas nesse Dia dos Pais eu mandei fotos também. Eles ficaram muito felizes.
Hoje penso ainda mais com o projeto, que ele possa alcançar crianças como eu, de bairros esquecidos e que as ajude a não perder o brilho e serem o que quiserem, pois “As Viagens da Süssie” são as viagens de dentro pra fora, mas dela mesma, consigo mesma, principalmente. Ela, assim como todos nós, se transforma dia a dia.
O que você pode dar de dica para o brasileiro que quer morar no exterior?
Tatiana: Esteja aberto ao novo, converse com estranhos, aprenda o máximo de idiomas que puder. Veja tudo com poesia [sim, parece doido, mas, às vezes não queremos fazer tarefas ditas como chatas, mas, todo mundo faz coisas legais e chatas o tempo todo, morar fora não é glamour, trabalhamos muito, temos muitos impactos e desafios constantes]. Visite a cidade antes de pensar em morar, se puder, procure contato com quem já mora, busque opiniões, pesquise universidades, escolas [sim, nunca pare de estudar]. Informe-se no Consulado sobre todos os detalhes antes de ir, para não ir com visto errado/limitado. Ah, e, se for pra Europa, não esqueça do casaquinho, rs.
Tudo valeu a pena?
Tatiana: Nossa, e como vale. Não tem um segundo que eu pense que não. Acho que nada no fim é ruim, mesmo que tudo pareça que deu errado: nem deu. Está tudo incrivelmente certo – a seu modo e sem previsões demais, controles, certezas -, mas, de verdade, me vejo proibida de reclamar.
Qual a maior alegria que viveu?
Tatiana: Das atuais, seria quando me dei conta de que eu estava falando alemão e ouvindo. As pessoas me entendiam. A cada aprendizado novo para mim é como adquirir mais poderes. Assim como quando fui aprender bastão na escola de artes marciais na China. Sabe aquelas coisas que você achou que nunca seriam possíveis, daí de algum modo começa a dominar e isso vira parte de você, do seu universo? É isso a alegria: infinita.
Para conhecer o trabalho e as ilustrações de Tatiana Vieira, acesse o Blog, Facebook e Flickr.