Que aprendizado é melhor do que aprender a ser tigre com os maiores tigres?
Muitas pessoas anseiam morar fora, porém entre os países preferidos a China nem sempre figura entre os primeiros. Sabendo disso, o site Vagas pelo Mundo fez uma entrevista exclusiva com uma brasileira que está na China há mais de três anos e topou nos contar um pouquinho da sua experiência e da sua vida por lá. Confira a entrevista:
Vagas pelo Mundo (VPM): Há quanto tempo você está na China?
Bruna Boege Pickler: Vivo na China há pouco mais de 3 anos. Hoje migrando para Macau para iniciar meu mestrado em Comunicação e Novas Mídias.
VPM: Como surgiu o convite para trabalhar na China?
Bruna: Essa é uma pergunta que muitos me fazem e eu costumo responder que não fui eu quem escolhi a China, e sim a China que me escolheu. Quando completei minha graduação no Brasil comecei a enviar o meu currículo, com a intenção de trabalhar no exterior, para várias grandes empresas. Na época, uma das plataformas disponíveis para recém-formados era a de uma ONG gerida por jovens. Foi através dessa ferramenta que encontrei a proposta ideal para mim.
VPM: Onde você trabalha/trabalhou? Como foi sua preparação profissional para chegar onde está hoje? Você estudou inglês? Mandarim? Como foi sua dedicação?
Bruna: Me formei em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda. Minha primeira experiência no exterior foi um estágio e essa é a realidade da maioria das pessoas que encontrei por aqui. As propostas oficiais de emprego aparecem depois dessa fase experimental, até mesmo porque muitos não resistem à adaptação a um novo continente. Acredito que minha graduação na Universidade foi suficiente para suprir o conhecimento básico para trabalhar em um cargo administrativo em uma empresa estrangeira. Eu tinha certificação em inglês também, embora não tenha sido uma certificação reconhecida na época. A minha confiança em desenrolar o novo idioma já em país estrangeiro foi o que me garantiu o aperfeiçoamento e posteriormente até consegui uma certificação internacional em inglês.
Para as atividades básicas de minha rotina nem o inglês supria a necessidade, pois a cidade onde vim morar é uma cidade bem tradicional e todos os chineses falam apenas mandarim. Comecei a aprender o meu quarto idioma aqui mesmo. Tive aulas particulares de mandarim e as vontades de desistir foram várias. Mas hoje reconheço que o esforço inicial valeu a pena, pois é um idioma que abre muitas portas, (inclusive portas imaginárias). Sem dominar esse idioma eu não seria capaz de acessar as coisas mais básicas que um ser humano precisa, como pão e transporte público. Gosto de praticar meu mandarim, que embora não seja perfeito, se faz compreensível pelos chineses. No início tentava me corrigir através das palavras que ouvia deles, mas hoje sei que é melhor não ouvir, pois muitos tem um sotaque forte de dialetos locais.
VPM: Por que a China?! Quando o país começou a fazer parte dos teus planos?
Bruna: Acho que foi em um dia em que vi numa agência de intercâmbio, Intercâmbios para a China. Pedi mais informações, mas a atendente disse que o programa havia sido cancelado. Intercâmbios para todos os outros países estavam disponíveis. Isso me chamou a atenção e ficou na minha memória. Depois, já no final da graduação, quando me foi aberto um leque de diversos países com diferentes propostas, fiquei entusiasmada com vagas em países aonde eu poderia estar conciliando o emprego com o aprendizado do idioma e, consequentemente, da cultura e da sociedade. Embora minha língua materna seja o alemão, eu achei que procurar uma vaga na Alemanha seria clichê demais, e resolvi ter uma experiência no país com o idioma mais difícil do mundo. Me pareceu um estudo de campo a ser colocado em prática. No estilo: “se tudo der errado, pelo menos aprendi mandarim”.
VPM: Como foi recebida na empresa chinesa? É fácil fazer amizade? (conta um pouquinho do começo, das comidas, transporte, segurança e etc)
Bruna: Na primeira empresa chinesa que trabalhei tive a sorte de morar com uma brasileira e uma alemã. Elas eram minhas colegas de trabalho e me ajudaram a encontrar as melhores padarias e os caminhos para voltar para casa. As colegas chinesas que tive foram, na maioria mulheres e sempre me trataram muito bem. Nas horas vagas sempre me ensinavam novo vocabulário, e isso me encanta. É uma cultura incrível, elas adoram compartilhar tudo que estiverem comendo, e olham pro seu prato toda vez que você vai comer algo. Chega a ser irritante no começo, mas é questão de entrar no jogo e aprender a compartilhar. É fácil fazer amizade sim, principalmente se você arrisca algumas palavras em mandarim. Eles gostam muito de estrangeiros, são um povo bem receptivo.
VPM: Você está adaptada à China?
Bruna: Acredito que sim, o choque cultural não é mais tão grande. Não percebo mais uma lacuna na comunicação diária como era no início. Inclusive me sinto confiante em realizar tarefas mais complexas, como coordenar e realizar compras com um uso razoável do idioma.
O que exige mais responsabilidade é encarar o pessoal na sala de reuniões, estar a par dos projetos e saber que ideia colocar na mesa. Isso se faz mais em inglês e é válido tanto para uma carreira na China quanto em qualquer lugar do mundo. A disciplina à qual eu tive que me submeter aqui, é o que, hoje, me dá segurança para saber até onde posso chegar.
VPM: A sua empresa te ajudou a fazer o visto de trabalho (sponsor)? Como é o processo de visto na China? Quanto custa? Vale por quanto tempo?
Bruna: Sim. O processo de visto na China consegue ser mais burocrático que no Brasil. As leis mudam a cada 4 meses, por isso fica difícil para dar mais detalhes.
É um processo um tanto quanto complicado e motivo de algumas empresas, especialmente agências de intercâmbio, não fazerem negociações com a China. O valor do visto é geralmente pago pela própria empresa que está a contratar, e os valores variam muito de acordo com o tipo de visto. No meu caso a empresa teve que renovar o meu visto a cada 6 meses no início. Mas a política entre os dois países é pacífica e foi ficando cada vez mais vantajoso para mim e para a empresa, o processo de renovação do visto. No início um brasileiro só pode permanecer 6 meses sob um visto de negócios, mas a cada renovação o prazo se prolonga. Entre as minhas viagens e negociações, tive o prazer de conhecer a cônsul chinesa no Brasil, que me deu algumas dicas sobre o visto. Hoje o meu vale por mais três anos.
VPM: Você sabe outras empresas que ajudam a fazer o visto de trabalho para os brasileiros?
Bruna: Desconheço. Como mencionei anteriormente, meu processo de visto foi controlado pela própria empresa.
VPM: Qual a sua dica para quem não conhece a China e quer construir uma carreira por aí para ter uma experiência no exterior em um mercado tão competitivo?
Bruna: Não tem como dizer “estude” porque é um aprendizado que se ganha através da experiência. O que eu posso dizer é que serão muitos bloqueios a serem superados tanto na sua carreira, quanto na sua vida pessoal. Mas só através de uma experiência assim é que se ganha essa visão de mundo. E as marcas ficam fincadas na gente mesmo. Tanto os ganhos, quanto as perdas. São muitas pessoas, lendas, crenças, medos, e momentos que deixamos pra trás. Diria em prol da transformação pessoal. Minha dica é que você tenha essa meta bem estipulada, pois várias serão as tentações pra te fazer desistir. Trace seus objetivos e vá em busca. Que aprendizado é melhor do que aprender a ser tigre com os maiores tigres?
VPM: Diferenças que lhe chocaram entre o Brasil e a China?!
Bruna: São países na verdade muito parecidos. A hospitalidade do povo, e a sociedade em geral. Problemas todo o país tem, e acho que até nos problemas somos parecidos. Falta de saneamento básico e todos os problemas dos países de terceiro mundo. O que me chocou, quem sabe, foi estar em um lugar aonde um idioma tão complexo era pronunciado. Chega a ser tanto irritante aos ouvidos no início ouvir esse idioma – eu mesma nunca achei que um dia fosse capaz de falá-lo – mas a gente se acostuma.
Sobre a Bruna
Bruna Boege Pickler nasceu em Blumenau/SC, atualmente faz mestrado na Universidade de Macau em Comunicação e Novas Mídias. Já trabalhou como agente de exportação, porém atualmente é estudante.