Sempre que falo com algum amigo que mora no Brasil, lá pelas tantas surge a pergunta: “e aí, não volta mais?” ou então aquela: “não sente saudade?”. Na real eu não pretendo voltar e até sinto saudade, mas a verdade é que a gente aprende a ser daqui e não de lá. É a vida, é a nossa nova vida!
Lá se vão quase cinco anos morando fora e a cada dia do lado de cá tenho certeza que a gente vai aprendendo a ser cada vez mais daqui e menos de lá. O frio já não é tão frio, aos poucos vamos parando de converter a moeda, dirigir com o volante do lado direito já nem é tão difícil e o idioma é cada vez mais amigável.livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
No começo tudo era estranho, nada fazia muito sentido e chegávamos a sonhar com um pastel e um caldo de cana. Depois, as coisas vão acalmando e a vida começa a entrar no eixos e entra tanto nos eixos que não imaginamos mais a nossa vida em outro lugar. Para ficar tudo ainda mais estranho, com o passar dos dias e meses aqui longe a gente já nem se sente como estrangeiro.
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É difícil explicar, mas o sentimento de “não sou daqui” vai passando e aquela máxima de que nós, seres humanos, somos extremamente adaptáveis passa a fazer muito mais sentido. A gente se adapta, a gente acostuma, a gente começa a sonhar com outras coisas e até em outro idioma. Tudo mudou, nós mudamos, nós nos mudamos.
Devagarinho a gente vai se sentindo em casa, já sem aspas. O mundo vira a nossa casa, não somos daqui, mas também não somos de lá. Estamos no meio do caminho tentando encontrar o nosso caminho, construí-lo com muita dedicação e uma dose extra de poder de adaptação. Foi assim que entendemos que morar fora é, antes de qualquer coisa, abrir mão do que tínhamos, mas acima de tudo ter humildade para recomeçar.
Morar fora: mudar não é tão difícil quanto aceitar que algo acabou.
E o sentimento é tão controverso que para alguns morar fora foi a coisa mais simples do mundo. Foi bater asas e voar. Simples como isso. Porém, para tantos outros o processo foi mais doloroso e exigiu muito, mas é exatamente essa diferença que faz a vida ser tão fantástica e inédita como é.
Quando partimos para morar fora, percebemos que somos tão diferentes e tão iguais, tão estranhos e tão próximos, tão esquisitos e tão normais. A minha barba grande nem é tão comprida assim, o meu cabelo raspado nem é tão curto e o meu idioma nem é tão diferente assim. O mundo ganha outras dimensões, num momento deixa de ser tão grande e no outro passa a ser a maior coisa da nossa existência. Confuso, organizado, bagunçado, cheio de ordem, diferente e tão igual.
Morando fora percebi que a gente é do mundo e o mundo é da gente. Não importa se você saiu do interior do Rio Grande do Sul ou dos confins da Bahia, no fim é todo mundo vizinho e a gente é tem muito mais coisa em comum do que pensávamos no início. A sorte de morar fora nos traz isso, nos faz crescer, nos faz ser.
Saudade dá e passa, vontade de voltar é de cada um. Eu, por enquanto, vou ficando e aprendendo, dia após dia, a ser cada vez mais daqui e menos de lá. Foi a vida que eu quis, foi a vida que eu busquei, é a vida que eu tenho. A palavra tem poder e é nisso que eu acredito cada vez mais, estando aqui ou lá, mas sempre onde eu queria estar.
Morar fora: a jornada de quem não pode fracassar.