Antes de partir temos inimigos de todos os tipos, depois da partida é que a coisa muda de figura.
Muito possivelmente você decidiu morar fora porque tinha uma insatisfação ou uma necessidade. Talvez tenha sido por conta de uma demissão, da falta de emprego, da violência, do estresse, da busca pela felicidade, da procura por um lugar mais tranquilo e com uma menor inflação. Sei lá, eu não consigo saber quais eram e quais são seus motivos para morar fora e você deve ter milhares, porém quando partimos para uma nova vida, nos livramos de muitos desafetos, mas aqui fora o inimigo agora é outro.
Inimigo oculto
Não, não vai ter ninguém gritando na sua cara mandando você pedir para sair, dizendo que você “nunca será” ou afirmando que você é um fanfarrão. Tão pouco você vai ver outra pessoa colocando o dedo no seu nariz e dizendo que você não é caveira, que você é moleque. Ah, e você também não precisará ouvir uma aula chata sobre estratégia no meio do mato morto de cansado segurando uma granada. A violência, provavelmente, também não será um problema.
Seu maior inimigo morando fora será somente você e sua consciência, só. É uma guerra entre você e você mesmo, uma luta para dominar seus piores pensamentos, para canalizar boas energias, para tentar se equilibrar no meio da tempestade da vida. Parece que não é muita coisa, mas acredite, é coisa pra burro.
Construa sua trincheira
Um aprendizado que morar fora traz é que precisamos, urgentemente, construir nossa trincheira o quanto antes. Lógico que usar a bandoleira será o primeiro aprendizado, mas encontrar um lugar para chamar de seu e poder recarregar as energias é fundamental. É o seu canto, a sua casa, o seu quarto, o seu lugar de descanso físico e mental. E é justamente na busca por essa trincheira ideal, que você se pegará pensando se a decisão de morar fora foi acertada. Sua consciência vai berrar e dar chutes, ela vai fazer com que as minhocas da sua cabeça acordem e se multipliquem. Se você não conseguir enxergar além da neblina e encontrar equilíbrio, vai pirar já na largada, bem no começo.
Desviando das balas
Morando fora você vai levar tiro todos os dias. Não, não estou falando de balas de verdade, mas daquelas de festim que assustam e apavoram. Muitas pessoas vão lhe apontar o fuzil e disparar sem dó nem piedade, seja uma frase que vai lhe magoar, seja um “não” no pior momento do seu dia ou até mesmo algo relacionado com a sua nacionalidade. É assim, morar fora é uma guerra e precisamos desviar das balas e tentar seguir em frente, de alma leve e coração tranquilo. A gente rebola muito aqui do lado de fora, a gente parece um camaleão. A gente muda, se transforma, se adapta. Não tem jeito, tem que ser assim porque se não for, nós desistimos e nos ferimos.
Mantendo a humildade
Nem que você descubra o caminho das pedras e se torne a pessoa mais bem sucedida do mundo, manter a humildade é fundamental. Com o tempo, o treinamento exaustivo e com a guerra rolando, é capaz que logo você encontre uma maneira de sobreviver e não se assuste mais com as bombas e os tiros que teimam em vir na sua direção. Porém, você não deve se achar o “pica das galáxias” e cair na ilusão de que é a única pessoa que está passando ou já passou pela aventura de morar fora. Tão pouco deve valorizar demais o seu sofrimento, porém também não deve subestimá-lo. Morar fora é uma busca eterna procura pelo meio-termo, aquele de Aristóteles.
Assuma suas responsabilidades
“Missão dada, parceiro, é missão cumprida”. Então, se você topou a loucura de morar fora e teve peito para enfrentar seus medos e sair da sua zona de conforto, erga a cabeça e siga em frente. O sistema é foda e vai fazer de tudo para atrapalhar a sua caminhada, mas não adianta pirar nisso. Sofra pelo que você consegue controlar, porque sofrer por algo que você não controla e não tem poder é perda de tempo. Sempre que o cansaço e a vontade de desistir bater, tente parar tudo e dar um tempo para você, tente encontrar um lugar para respirar e lembrar o que lhe fez partir. Lembre dos seus sonhos, das novas possibilidades que surgiram na sua vida no seu novo mundo e tente agradecer ao invés de pedir mais.
Aprendi aqui fora que a gratidão, a coerência e a fé precisam sempre nos acompanhar nas batalhas que enfrentamos ao morar fora. Sermos gratos pelas nossas conquistas nos faz sermos pessoas melhores e mais “de boa”, daquelas pessoas que sempre conseguem enxergar o lado positivo das coisas. Ter coerência possibilita que a gente encontre a coragem que sempre tivemos e a fé nos move, nos faz caminhar. Se é fácil?! Esqueça porque não, não é. Porém eu conheço poucas pessoas que trocariam a oportunidade que estão tendo de morar fora por outra coisa qualquer nesse mundo.
livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Se é preciso enfrentar seus inimigos, faça com bravura. Porém nunca dê chance, em ato algum durante seus dias, de permitir que a sua consciência lhe faça de palhaço e que você perca uma noite de sono que seja por conta dela. Morar fora é isso, é entrar numa guerra e batalhar todos dias, é se perder e se encontrar numa trincheira desviando das balas, das bombas e dos tiros. Se a gente vai vencer, a gente não sabe. O que sabemos é que só quem tem coragem é que vai em frente, e isso nós temos de sobra. Pode acreditar.
2 Comentários
Muito obrigado pelo comentário André. É verdade, o negócio é encontrar o foco, respirar e seguir em frente.
Boa sorte para vocês André, um grande abraço e muito obrigado por nos acompanhar!
Ótimo texto! Eu, minha esposa e minha filhinha iremos nos mudar para Lisboa no próximo ano e apesar de ser algo que eu sempre quis, de planejar e batalhar por isso, por vezes me pego no pensamento de que “seria eu realmente capaz de enfrentar uma mudança dessas?”. Porém, maior do que os temores da minha mente, o desejo de enfrentar e vencer esses pensamentos é muito maior. São textos assim que nos fazem colocar o pé no chão e focar no alvo. É fácil se vislumbrar com as coisas boas que uma vida no primeiro mundo pode nos dar, mas é preciso ter foco e saber que nada na vida é fácil, as lutas são grandes, mas como vc mesmo disse ao final do texto: “O que sabemos é que só quem tem coragem é que vai em frente, e isso nós temos de sobra”. Que assim seja!