A gente evita pensar nisso, mas quando pensa é uma das piores coisas. Quando perdemos alguém entendemos que morar fora é ter que escolher entre criar raízes ou espalhar raízes.
*Texto atualizado em 30 de julho de 2022, em homenagem a minha mãe Clara.
Quando decidimos morar fora somos apresentados a uma enxurrada de sentimentos. E, tal como numa chuvarada, eles vêm todos misturados e em alta velocidade morro abaixo. É repentino e, do nada, estamos alegres, com o sorriso de orelha a orelha e num estalar de dedos somos tomados por uma angústia que sobe do estômago e aperta a nossa garganta. O antes e o depois de quem mora fora se diferem nos sentimentos, mas não na intensidade. Não mesmo.
Morar fora: quando perdemos alguém – Antes da nossa partida
Antes de partirmos temos medo. Temos medo e ponto final. É medo do desconhecido, receio de que poderemos passar fome, de que não teremos uma casa, de que estamos nos jogando sem nem um empreguinho em vista.
Isso sem falar nas bobagens que ainda temos que ouvir de quem morre de medo de partir, mas isso a gente tira de letra. A real é que o desconhecido nos amolece as pernas, mas a curiosidade nos mantém firmes e fortes. Precisamos saber como é morar fora e vamos, com medo mesmo, nós vamos.
Leia também: Morar fora: mudar não é tão difícil quanto aceitar que algo acabou.
Depois de partirmoslivro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”
Nos primeiros meses ainda temos medo, mas devagarinho vamos nos ambientando e pegando as manhas. Arrumamos um emprego, trocamos, procuramos outro e aos poucos vamos nos encaixando. O idioma já flui, o quarto já está com o nosso cheiro e até colocamos um quadrinho na parede para nos sentirmos em casa. Os medos mudam, mas continuam ali com a gente e acho que sempre estarão ao nosso lado, para o resto da vida.
Você também poder gostar: Morar fora: a sua hora é agora.
Velhos e novos medos
Os velhos medos se tornam até engraçados. Os receios que habitavam o nosso pensamento antes de partirmos hoje são vistos como meras bobagens, mas foram importantes.
Agora os novos medos começam a dar as caras e o pior deles é o de perdermos quem a gente ama. Seja o nosso avô que já está bem velhinho, a nossa tia, madrinha, nosso pai ou nossa mãe.
Chegamos a montar roteiros de viagens imaginários, calculamos o tempo que levaríamos para voltar depois de recebermos a notícia, em vão.
Difícil aceitar
Teimamos e não queremos aceitar que, na bem da verdade, será impossível estarmos lá para abraçarmos quem vai ficar quando o pior acontecer. Não, não vai dar tempo e sim, vai doer como jamais imaginaríamos. O adeus de perto é ruim, mas o adeus de longe é horrível.
Não temos para onde correr, não sabemos o que fazer, nada nos consola. Não teremos tempo.
Leia mais: Morar fora: se eles soubessem.
O custo de partir
Partir custa caro. Ir embora exige perseverança, coragem, fé e desprendimento. Vendemos o que temos, nos desfazemos daquilo que tanto nos custou para conquistarmos, abraçamos quem amamos, choramos com os amigos, fazemos e ouvimos juras de visitas garantidas, de uma saudade que terá tempo contado.
Porém, existe um custo que não aparece nas nossas contas e quando aquela mensagem ou ligação chega, muitas vezes no pior horário possível, a fatura é esfregada na nossa cara.
O mundo é muito grande
É, ainda que a tecnologia nos aproxime, o mundo é muito grande. É impossível que a gente volte a tempo do último adeus, é bem difícil que estejamos lá para segurarmos na alça do caixão de quem a gente tanto ama.
Porém, quando perdemos alguém somos, de certa forma, encorajados a continuar na nossa estrada, de seguirmos o nosso caminho.
Leia também: Morar fora: nós os pássaros.
Aprendemos que a vida é agora e, talvez por isso, partimos. Morar fora é ter que escolher entre criar raízes ou espalhar raízes, é sempre apertar o botão da incerteza, é ter que ressignificar o amor, é saber que a distância, infelizmente, consegue apagar muitas coisas.
É morando fora que nos tornamos mais cheios de fé e, mesmo que pareça fora de moda, nos ajoelhamos numa igreja para agradecermos e pedirmos mais coragem sem que ninguém, além de Deus, veja.
O fato é que, quando partimos, trazemos em nosso coração e memória uma coleção de pessoas. Mesmo que o assunto seja evitado ao extremo, sabemos que estaremos distantes quando alguém partir e quando isso acontece só nos resta enxugarmos as lágrimas, respirarmos fundo, fazermos a nossa oração e seguirmos adiante. Ah, e claro, escolhermos uma paisagem maravilhosa para sentarmos e pensarmos em quem amamos buscando nossas melhores memórias, sorrisos e saudades.
*Ouça também o Podcast Partiu Morar Fora, disponível no Spotify:
1 comentário
Temos que deixar de pensar/dizer “morar fora”. Isso torna-nos E.T.’s na nossa família. Porque se 1 pessoa de Lisboa vai morar para o Algarve ou para Monção (ou de qualquer outra localidade se desloca), não dizemos que “mora fora, mas a frequência com que se visitam e se falam será a mesma. Isto cria 1 estigma tremendo na pessoa e significa que “dentro” é que é o lugar onde a pessoa pertence. Isso leva a que a pessoa nunca se permita acentar e ganhar raizes “fora”. Fora soa errado, soa a descriminação, soa a oposto de “casa”, quando “casa” deve ser o conforto e aconchego que todos têm onde quer que estejam.
Além disso, “morar fora”??? Onde raio é que isso fica????