
Casamentos internacionais são sinônimo de glamour. Mas será que é fácil lidar com as diferenças culturais? Conheça a história do livro Amores Internacionais e da autora Liliana Baeckert.
Casar com um estrangeiro muitas vezes é visto como sinal de glamour. Mas será que a vida das brasileiras é fácil no exterior? A jornalista brasileira Liliana Tinoco Baeckert casou com um estrangeiro e mora na Suíça há 16 anos. Ela resolveu investigar o tema e entrevistou dezenas de brasileiras que vivem no exterior com seus maridos estrangeiros.
Desse modo, o seu livro Amores Internacionais é resultado da decisão em transformar o próprio choque cultural em combustível para ajudar a entender o processo migratório e de um casamento binacional.
Confira a seguir tudo sobre o livro Amores Internacionais: casei com um estrangeiro, e agora? e quais os maiores desafios de um casamento internacional.
Amores Internacionais: casei com um estrangeiro, e agora?
Confira a entrevista exclusiva com a autora do livro Amores Internacionais: casei com um estrangeiro, e agora?
1) Como surgiu a ideia de escrever um livro Amores Internacionais sobre as brasileiras que casam com estrangeiros? A sua história foi uma inspiração?
Sim, a minha história definitivamente foi uma inspiração, afinal sou casada com uma pessoa de uma cultura muito diferente da minha; o meu marido é alemão. A história de outras mulheres também teve grande influência na minha decisão de contar esses cenários.
O livro foi acontecendo com o passar dos anos. Os meus choques culturais cotidianos, reforçados por relatos de outras pessoas e, posteriormente, meus estudos foram dando fermento ao desejo de narrar o que significa casar com um estrangeiro.
Essa união precisa ser vista com menos glamour, com mais pé na realidade. União com estrangeiro significa que um dos dois será migrante. E migração sempre traz inúmeras consequências para as vidas de todos os envolvidos.
2) Quantas entrevistas foram feitas e de quantos países?
Eu conversei com 60 pessoas. Mas as histórias narradas no livro somam 25. Entrevistei ao todo mulheres brasileiras casadas com homens de 19 nacionalidades. Ouvi também três homens, embora o foco do livro fosse mulher. Mas achei interessante trazer um pouco do ponto de vista deles.
2) Na sua pesquisa, quais foram os maiores desafios encontrados pelas brasileiras que casaram com estrangeiros?
Os desafios são inúmeros. O interessante é que tudo depende de como era a condição social dessa brasileira ainda no Brasil. Então, se você pega como exemplo uma moça de uma comunidade, que vivia com renda apertada, em geral chefe de família sem a presença de um companheiro, o casamento para ela pode representar um alívio para tantas responsabilidades.
Obviamente que não estou dizendo que será sua salvação. Sua vulnerabilidade social pode fazê-la mais uma vez vítima, e agora de um psicopata internacional. Entretanto, na melhor das hipóteses, essa pessoa pode ver sua vida transformada e sem o peso de criar filho em uma comunidade, com medo de bala perdida.
Em contrapartida, se pegarmos uma representante de classe média alta, que tenha até um mestrado ou doutorado em uma universidade brasileira, podemos nos deparar com frustrações ligadas principalmente à sua inserção no mercado de trabalho em países ditos mais desenvolvidos que o Brasil. Infelizmente, preparar-se para o mercado brasileiro não é a mesma que para o internacional.
E o que isso impacta no relacionamento conjugal? Muita coisa. Nas minhas entrevistas, pessoas desse perfil reclamaram que conseguem driblar facilmente as diferenças culturais mas se ressentem demais da pobre inserção no mercado de trabalho. E como a pessoa está ali, naquele país, devido ao casamento, obviamente isso tem um peso na relação.
Mas eu vou te dizer que, nesse território, o apoio da família do cônjuge fará muita diferença. A compreensão do cônjuge às dificuldades da esposa ou marido estrangeiro impactam muito no sucesso do relacionamento. Isso sem falar nas diferenças culturais em si de cada país.

4) Qual a história mais marcante ou chocante que você descobriu?
Inúmeras histórias me marcaram, tanto para o bem quanto para o mal. Como trata-se de um livro-reportagem que traça diversos cenários, eu realmente me surpreendi e até me emocionei em diversos momentos. Houve uma entrevista, entretanto, que cortou meu coração.
Foi a história de uma brasileira que morava em Santiago, no Chile, com seu marido chileno, e que vivia em condições análogas a de um cárcere privado. Ele não permitia que ela conversasse com vizinhos, com a família no Brasil, vigiava até a hora em que ela ia ao banheiro, para que não levasse o celular.
Essa moça, apesar de relatar extremo sofrimento, dizia que achava até “bonitinho” o ciúme que ele sentia, que era amor. A aflição dela me impactou demais. Ela guardava dinheiro de troco no forro do casaco para fugir.
Seis meses depois dessa entrevista, ela me escreveu dizendo que teve coragem de ir embora. Fiquei feliz em saber que a nossa conversa a encorajou. E o livro não tinha nem sido lançado.
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livro “Morar Fora: sentimentos de quem decidiu partir”5) Qual a maior dificuldade de adaptação em um casamento internacional?
Eu diria que a falta de preparo para viver em um ambiente cultural diferente e, consequentemente, com um estrangeiro, faz com que o todo seja muito difícil. Se a mulher não entende que o seu marido de outra cultura não irá se comportar de acordo com um brasileiro, já é uma porta escancarada para muitos conflitos.
Nesse conjunto de dificuldades, preciso também incluir a própria realidade brasileira, que é infelizmente ainda muito moldada em convivências de bolhas, com pouco espaço para diversidade. Quero dizer com isso que essa falta de pisar em outros terrenos abre muito pouco a mentalidade para a convivência com outras formas de pensar.
Além da mente fechada, que é a falta de competência intercultural, diria que o aprendizado da língua pode ser uma grande barreira para brasileiras que vivam com seus maridos em seus países. Coloque aí o frio, a saudade… Enfim, um conjunto de desafios. Essas experiências, entretanto, podem vir com um monte de outras coisas boas.
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6) Além da saudade da família, quais foram os maiores desafios que você encontrou ao ir morar na Suíça?
Eu mesma caí na armadilha que expliquei na pergunta anterior. Casei com um alemão com expectativas de conviver com uma outra pessoa. A ignorância de saber quão profundas as diferenças culturais se apresentam sem nos darmos conta foi meu erro, assim como acredito que seja o da maioria.
Ninguém conta isso para a gente. Eu só fui descobrir após estudar sobre: pesquisei muito, entrevistei pessoas, li. Estou nessa estrada de descobrimentos desde 2013, quando fiz meu primeiro curso sobre o tema.
No meu caso, especificamente, sofri muito por saudade, com o aprendizado da língua, com o frio, a falta de sol aqui da Suíça, com o jeito dos nativos. Como eles são muito reservados, achava que eram contra mim. Aí entra o estudo, aprendi que eles são assim e ponto.
O problema é que esse mal estar geral, o sentimento de inadequação, impacta no casamento. Mas é aquela coisa, né? Relacionamento é difícil, convivência não é algo simples, nem mesmo com parceiros da mesma nacionalidade.
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7) Você acredita que há união dos brasileiros que moram fora?
Acho que nem sempre. Acredito que como a migração traz alguns sofrimentos muito profundos, principalmente com relação à dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, os brasileiros se tornem mais competitivos entre si. É como se cada um ficasse tentando provar para o outro que eles conseguiram e o outro não. Mas isso é uma impressão, não posso dizer com certeza se estou certa.
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8) Quais os conselhos você pode dar para as brasileiras que namoram com estrangeiros e pretender casar e mudar para exterior?
Ótima pergunta. Eu diria para se preparar para esse relacionamento, procurar se informar sobre a cultura do parceiro, aprender o idioma dele. Quando eu digo se informar, não é ler sobre o país e saber: ah, lá faz frio, eles comem a comida X. É saber sobre os códigos sociais, muitas vezes escondidos. Ficar atenta aos valores, o que é importante naquela sociedade antes de morar fora.
Dialogar antes com o parceiro é primordial. Procurar saber, por exemplo, se ele quer ter filhos, o que ele acha de você aprender o idioma do país, e de você, brasileira/o, manter o português com os filhos que vocês hipoteticamente terão. Investigue a opinião dele/a sobre estrangeiros.
Uma pessoa que responda: eu não gosto de estrangeiros, eu não acho necessário que você aprenda a língua do país ou não quero que nosso filho fale o seu idioma já são fortes indícios de que o relacionamento será construído em bases desiguais.
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9) Existe um padrão de brasileiras que são enganadas ou vítimas de tráfico humano? Para quem essas mulheres podem pedir ajuda?
Infelizmente, as mais vulneráveis socialmente, como as mais pobres, as que precisam desesperadamente se agarrar a uma saída para uma vida muito difícil, ou aquelas com autoestima muito baixa. As pessoas precisam desconfiar de muita esmola. Infelizmente existem muitos homens que vão em países mais pobres buscar essas vítimas.
O Consulado Brasileiro na região é sempre um ponto de ajuda, mas também a polícia local, dependendo do país. Eu conheço o Grupo Gambe, de apoio a mulheres migrantes, que faz uma rede apoio pelo mundo. Assim, para resumir, indicaria esse grupo.
*Liliana Tinoco Baeckert é brasileira, natural do Rio de Janeiro e mora na Suíça desde 2005. É casada com um alemão e tem dois filhos nascidos na Suíça. Liliana possui mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana. A jornalista trabalha como consultora intercultural e atua como jornalista freelancer para a Swissinfo.ch e Rádio CBN, onde é comentarista sobre vida no exterior no quadro CBN Longe de Casa.
*Para comprar o livro Amores Internacionais, acesse o site da Editora Inverso.
*Ouça também o Podcast Partiu Mora Fora: